Por Paulo Henrique Menezes da Silva

(Mestre Paulão Kikongo)

Dança de origem banto é preservada em comunidades

Dança tradicional afro-brasileira, o jongo, no Estado do Rio de Janeiro, tem sido preservado de geração em geração, principalmente pelas comunidades remanescentes de quilombos e entidades como o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, do bairro de Madureira, no município do Rio de Janeiro. Com grande inserção na Região Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) o jongo é de origem banto, sendo considerado o ancestral do samba e do pagode e foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2005 como o primeiro bem imaterial do estado. Este reconhecimento deveu-se a uma iniciativa do Grupo Cultural Jongo da Serrinha.

“Meu passado é africano
Teu passado também é
Nossa cor é tão escura
Quanto o chão de massapé”.
Jongo do Irmão Café

Wilson Moreira e Nei Lopes 

Com suas expressões relacionadas à cultura do café e da cana de açúcar, o jongo da Região Sudeste surgiu na Baixada Fluminense e chegou na Zona da Mata mineira, sendo conhecido nesta região como Caxambu, nome dado ao instrumento utilizado nesta dança, que também é conhecido como Angona ou Tambu. Quase sempre praticado nas festas dos santos católicos e divindades afro-brasileiras, festas juninas, do Divino e no 13 de maio, o jongo tem suas raízes nos ritos, crenças e saberes dos povos africanos. Segundo o historiador Stanley Stein, no seu livro Vassouras, um município brasileiro do café, editado pela Universidade de Harvard em 1957, as músicas (pontos) do jongo são cantadas em português e apresentam com freqüência palavras e expressões de origem banto.

Segundo Maria de Lourdes Borges Ribeiro, em seu livro Jongo, de 1984, “o jongueiro que abre a dança se posta ao lado do tambu e joga o ponto inicial. Ponto é a fala ou o canto do jongueiro. O primeiro é uma louvação, uma saudação, um sarava, menos cantado do que declamado em melopéia, parecendo uma linha de cantochão, revelando influencia clara de música religiosa. A roda se move a passo, devagarinho, num andar macio e leve”.

A importância dos “pontos” para o jongo

Uma das características essenciais da linguagem do jongo é a utilização de símbolos que, além de manter o sentido cifrado, acredita-se que possui função mágica, provocando, supostamente, fenômenos paranormais. Os pontos podem ser cantados com funções diferentes, como para animar a dança, saudar pessoas ou entidades espirituais, transmitindo outro desafio a outro jongueiro por meio de um enigma a ser decifrado ou para encerrar o jongo com pontos de despedida. Stein afirma também que os pontos do jongo têm como característica central o uso de uma linguagem poética metafórica, que com freqüência serve para transmitir mensagens ou enigmas, que, no linguajar dos jongueiros, devem ser desatados pelos participantes. Outro dado importante são os tambores feitos a partir de troncos de madeira e couro de animal. Estes são elementos centrais do jongo e sempre são reverenciados pelos jongueiros, fazendo a ligação destes com as entidades do mundo espiritual e expressando a ligação do jongo com outras manifestações afro-brasileiras, como, por exemplo, o candomblé e a umbanda. Os tambores são tão importantes que chegam a ter mais de cem anos de batuque e são passados de geração a geração.

Maria de Lourdes Ribeiro nos diz ainda que “nos primeiros registros de jongo não há referencia à palavra ponto. Anotava-se apenas o que era cantado, dístico ou quadra, às vezes apenas um verso”… E continua: “… O ponto, como já disse é tudo quanto o jongueiro diz ou canta no decorrer da dança. A louvação inicial é um ponto; a saudação é um ponto; a quadra é um ponto…” e assim por diante.

“A minha andorinha branca
Que mora no areiá
Bebe água, come areia,
Inda diz que passa má.
(Paraty, RJ)

Serrinha, uma referência cultural

Atualmente o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, devido ao espaço conquistado na mídia através de seu trabalho, é uma das maiores referências sobre o jongo no estado. Já recebeu diversos prêmios por seu trabalho artístico e social. O Jongo da Serrinha foi fundado por Mestre Darcy e sua mãe, Maria Joana Resadeira, que transformaram a antiga dança praticada na Serrinha em um belo espetáculo. Inserido em diversas redes do terceiro setor, conta com o apoio de vários parceiros institucionais.

Jongo da Serrinha já recebeu diversos prêmios, dentre os quais podemos citar: Cultura Nota 10 (2006), Cultura Viva (2006), Itaú-Unicef (2005), Petrobrás Rival BR (2002) e Orilaxé (2002). Sua missão é preservar o jongo como patrimônio imaterial e educar crianças e jovens.
Além do Jongo da Serrinha, na cidade do Rio de Janeiro existe ainda o Caxambu do Salgueiro, grupo de jongo tradicional que foi comandado por Mestre Geraldo na década de 80, animando o Morro do Salgueiro, na Tijuca. O Caxambu do Salgueiro foi composto por figuras históricas da comunidade, como Tia Neném e Tia Zezé, famosas integrantes da ala das baianas da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, campeã do carnaval 2009 com o enredo sobre tambores.

O samba e a Pequena África no Rio 

Sabemos que o jongo foi um dos “pais” do samba. Nas fazendas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, os escravos trazidos de Angola e do Congo tocavam tambores enquanto os mestres jongueiros criavam na hora os pontos e os outros formavam uma roda para dançar. Com a “abolição da escravatura”, muitas famílias continuaram mantendo a tradição e realizando rodas de jongo em suas casas. Moradores dos morros do Rio de Janeiro, os velhos mestres jongueiros fundaram na cidade as primeiras escolas de samba.

Como estamos no mês do carnaval, vale à pena recordarmos de uma figura impar na história do samba do Rio de Janeiro: Tia Ciata. Nascida na Bahia, em 1854, no dia do Santo Hilário, Hilária Batista de Almeida (Tia Ciata) mudou-se para o Rio de Janeiro aos 22 anos, no êxodo que ficou conhecido com a “diáspora baiana”. Mãe de Santo muito respeitada, Tia Ciata foi confirmada no santo como Ciata de Oxum, no Terreiro de João Alabá, onde também ficava a casa de Dom Obá II e o famoso cortiço Cabeça de Porco. Mulher de grande iniciativa e energia, fez de sua vida um trabalho constante. Tornou-se, com outras baianas de sua geração, a iniciadora da tradição carioca das baianas quituteiras. Na primeira metade do século XIX sua presença era documentada no livro de Debret Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil. Naquela época, a Praça Onze era conhecida como Pequena África, porque ali se encontravam os negros baianos e os ex-escravos que habitavam os morros próximos ao centro da cidade. Ali se reuniam músicos e compositores anônimos. A casa de Tia Ciata, na Rua Visconde de Ituana, 117, era a capital da Pequena África. Foi ali que nasceu o samba no Rio de Janeiro, com certeza com influencia de um Mestre jongueiro.

Os quilombos

As comunidades remanescentes de quilombos no Estado do Rio de Janeiro são uma das maiores fontes de conhecimento sobre a cultura de nossos antepassados. Algumas destas comunidades já receberam a sua titularidade através da Fundação Cultural Palmares. Estas comunidades negras guardam um patrimônio cultural e histórico de origem afro-brasileira e se constituíram a partir de uma diversidade imensa de processos. Elas guardam consigo uma riqueza de diversidade cultural, relacionada à culinária, artesanato, festas, construções, comemorações, práticas religiosas e modo de viver que remetem às raízes africanas.

No Rio de Janeiro existem diversos grupamentos de descendentes de escravos e, em sua maioria isolada dos grandes centros e vivendo em condições ainda bastante precárias. Entre as comunidades, podemos citar: Comunidade Bracuí, em Angra dos Reis; Comunidade Campinho da Independência, em Paraty; Comunidade Carumbi, em Campos; Comunidade Caveira, em São Pedro da Aldeia; Comunidade Conceição do Imbé; Comunidade Manoel Congo, em Vassouras; Comunidade Maria Conga, em Guapimirim; Comunidade do Rasa, em Búzios; Comunidade Sacopã, próximo a Lagoa Rodrigo de Freitas, no município do Rio de Janeiro; Comunidade Sant’Anna, Quatis; Comunidade São José da Serra, na cidade de Valença.

Entre todas estas comunidades, a que mais nos impressiona é a do Quilombo São José da Serra, que preserva e cultua suas lendas, tradições, música e o jongo, além da medicina de ervas. O Quilombo São José está localizado no município de Valença. Com cerca de 150 anos, é o quilombo mais antigo do Estado. Moram no local cerca de 200 quilombolas descendentes de escravos.

O trabalho em conjunto na agricultura de subsistência, o catolicismo, a umbanda, o artesanato tradicional, o fogão à lenha, o Jongo e o Terço de São Gonçalo fazem parte do cotidiano dos moradores desde a chegada dos seus antepassados na fazenda, por volta de 1850. Nessas terras, os negros de São José constituíram um núcleo religioso e cultural procurado não só pelos moradores das cidades próximas, mas de vários outros pontos do Brasil e do mundo.

A tradição oral

A tradição africana se baseia na oralidade como forma de transmissão de conhecimento e valores que são passados de geração em geração. A presença dos griots nas comunidades africanas evidencia a importância das comunidades remanescentes de quilombos, já que são estes griots que irão passar para as futuras gerações os seus conhecimentos. São eles que não deixam acabar manifestações culturais tão lindas e importantes como o jongo, o samba, a culinária, enfim, são os nossos Guardiões da Memória. Você que gosta de jongo, fique atento para o próximo encontro de jongueiros. Você não vai querer perder, vai? Afinal, “quem não gosta de samba, bom sujeito não… E quem não gosta de jongo?

Referencias Bibliográficas:
– RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges – O Jongo, Rio de Janeiro, Funarte, 1984.
– GANDRA, Edir – Jongo da Serrinha – Da senzala aos palcos, Rio de Janeiro, Giorgio Gráfica e Editora Ltda/UNIRIO, 1985.
– STEIN, Stanley J. – Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1990.
– CARNEIRO, Edson, Folguedos Tradicionais, Rio de Janeiro, Conquista, 1974.
– MOURA, Roberto, Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro, MEC/Secretaria da Cultura/FUNARTE, 1983
– ROSA, Sonia, Jongo, Pallas, 2004.
– FRADE, Cáscia, Folclore Brasileiro – Rio de Janeiro, FUNARTE, 1979.
– PALMARES, Fundação Cultural, Revista Palmares, Cultura Afro-Brasileira, Ano 5, Número 6, Agosto 2009.
– CULTURA, A Cor da, Cadernos de Atividades – Saberes e Fazeres – Modos de Interagir, v. 3, Coordenação do Projeto Ana Paula Brandão – Rio de Janeiro, Fundação Roberto Marinho 2006.

Publicado originalmente em 04/03/2011 no link: http://www.cultura.rj.gov.br/artigos/jongo-samba-e-quilombos-do-rio-de-janeiro

Foto: Caru Ribeiro

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